quarta-feira, 28 de janeiro de 2009

Velha Casa

Nossa casa tinha aroma de jardim úmido.
Não sei se de lágrimas,
Minhas ou de meus tios todos juntos.
A beleza da velha casa estava no musgo,
Na decoração da sala, no amor que cada canto continha.
A gente pensava que, escalando toda ela, buscassem-nos seres lunáticos, tivéssemos sorte.
Por todo lado um pedaço de palavra, solta e junta, de tanta cor, tamanho e vontade diversa...
Deitávamos nelas, meu tio e eu e meu irmão idem.
Ao pé delas, íamos correndo aos gritos em volta de toda aquela gente que ia lá.
Vontade de morar na conversa deles, os adultos.
A estante de livros sentia essa vontade também, nossa parente.
Vovó sempre foi fã de livros.
Saíam, por vezes, pedaços da estante por entre as bocas da gente, abertas...
Ficavam gozados: pés e prateleiras, lombadas e capas de livros, capítulos soltos...
Nada entendiam, os adultos, da nossa erudição...
De fato, éramos meninos apenas...

Amores

Eram nove horas da noite e Mônica ria, em pé, na calçada escura do Bar do Funil. Parte de sua atenção ia pro modo como a luz atravessava os copos amarelos e abria cones marrons das garrafas. “ - ...e quando a garota soltou meu pinto...ahauhauhauha...” Todos estrignados. Pedia em voz trêmula: “ – Detão, vem...” O rapaz cambaleva entre as faixas de luz e de escuro que ali chegavam. A chave do carro pousara grossamente sobre a pequena mão de Mônica.
“Você é um saco, Mônica...”
Deto, só de olhar, parecia áspero feito lixa de aço.
“Você é que está bêbado.”
“Escuta aqui: VOCÊ É UM PORRE”
“Entra, senta nesse banco e fica quietinho, vai !?”
Deto obedece. “Porra, Mônica, é sempre assim !”
“Eu quero é sair daqui voando...”
“Só vim pro carro porque você é gatona.”
“Não adianta agora. Você sempre dá as mesmas mancadas.”
“Mancadas, Mônica ? Não fui eu que fiquei com cara de cu !”
“Dé, já te pedi pra não falar palavrão...”
“Mônica, meus amigos estão todos lá...”
“Seus amigos são uns boyzinhos metidos à besta, isso sim...”
O carro, nessa hora, já acelerava silenciosamente na estrada.
“Metidos à besta ? Aquelas são as únicas pessoas que me ajudaram quando eu estava na pior, fudido mesmo...”
“A gente nem tava junto na época, Deto !”
“Não interessa ! Você é que não tem amigos, não gosta de nada do que eu gosto, depende de mim pra tudo !”
“Como assim, Deto ?”
O telefone toca.
“Deto, nem ouse atender esse telefone agora ! Que estória é essa de ‘depende de mim pra tudo’ ?”
“É isso mesmo, Mônica ! Você depende de mim e quer tudo do seu jeitinho, ‘ai, tá tarde, ai, tá chato’ !”
“Como é que é ? Se enxerga, cara, você é um mimado que faz tudo errado e eu é que tenho que limpar a sua sujeira depois...!!!” – os volumes das vozes viram brados.
“Mimado ? Você é que não faz nada sem mim !”
“Chega, Demétrio. Não quero mais que você saia com esses caras, estão botando muita asneira na sua cabecinha...”
“‘Não quero mais que você saia’, o caralho ! Não tenho mais que te obedecer em nada !”
“E como é que você vai viver ? Meu pai te demite e você se ferra, é um vagabundo que não presta pra nada...”
Duas porradas acertam a boca e o vidro de Mônica. O carro perde o controle, bate, Deto morre antes de chegar ao PS. Três meses depois, Mônica casava-se com o traficante mais pé-rapado e violento da rua. Gostava de bater em Mônica até fraturar-lhe as costelas. Mônica jamais largou dele.