segunda-feira, 16 de novembro de 2009

A SALA

Em frente à janela, gradeada, de cortinas floridas.
Em meio à sala (aonde todos iam).
Ali, parado.
O sol vazado, tapete macio,
O cheiro impecável da madeira dos tacos.
Ao fundo, o quarto misterioso e desejado de minha avó.
O quarto onde ouvia histórias e meu corpo, seguro, se abrigava, quente, sob a manta: o “forninho” adorável.
Naquela sala, inalcançável mundo de tantos (onde vivi feliz !),
Eu tudo olhava, espantado, miúdo, infantil, captava tudo...
Ali, entre os livros e os quadros,
Eu me lembrava qual era a esquerda e
Qual era a direita do mundo...

METAFÍSICA

É preciso amar as paredes, os tetos, e toda a sorte de história deles.
É preciso sentir seus desejos e glórias, as palavras mudas.
Respeito muito a imponência da casa, a aura dela me fascina.
Sei me dar por feliz de vê-la.
Talvez pareça meio abobalhado em dizê-lo:
Adoro abraçar paredes.
A matéria me faz sentir vivo.
A vida vai além da matéria.
A vida é insubstituível.

BARBÁRIE

Tomar vinho ruim
E rasgar romances

Mastigar discos
Comer crianças

Despejar lixo
E lamber fezes

Defender jornais
Mijar nas teses

Tortura
Tratos

Fê-lo

Cuspir no aprendiz

Votar com o nariz.

FOQUE-ME

Olhai-te-me
Num misto de medo e admiração
Olha-me
Como uma fera que devora a carne
Olha a ti
Vendo-me
De um ponto que nunca olhara antes

O desejo de esquadrinhar-me totalmente
Lasciva e ferozmente
De olhar-me
Sem distração

Encara-me !

Como a nau que vê a margem
Como a dor que vem à tona
Feito os olhos do sedento
Frente ao gelo que se funde
Como a boca livrando-se da mordaça
Ata-me e caça-me
Como um faminto num alimento se esbalda

Olha-me
Como um olho cego vê a luz

AI, QUE DESSSE MOMENTO NÃO PASSO

Ai, que desse momento não passo !
Nesse momento me desespero
Não sei se caio nos teus braços
Ou me despeço

Lábios úmidos
Torturam-me com palavras de mistério
Estarás tu cheia de desejo ou descaso surdo ?!!

O sangue aparente em tuas veias
Jorra vermelho em minhas vestes
Cria a sensação de contato
Quente e imediato que espero

Ai, que desse momento não passo !
Nesse momento me entrego
Aos seus braços, olhos e lábios tão singelos...

UNHAS

O meu corpo traz vales
Onde ardem
Os teus gemidos.

ANGÚSTIA

Mais uma noite
E o fio cede entre
As estrelas
Lá fora.

BONECOS INFLÁVEIS

Bonecos infláveis
Bonecos aceitam os ventos
Não voam

Presos
Pelo pé ou pescoço
São apenas bonecos
Dos desejos alheios

quinta-feira, 8 de outubro de 2009

TINHA O TEU BEIJO NO BANCO DA PRAÇA

Tinha o teu beijo no banco da praça,
Limpa,
Cheinha de pássaros e rosas.
Você vinha e eu deitava minha mão na sua,
Como se há tempos carecesse de sonhos.
Ruflava uma brisa nos seus cabelos,
Eu te alisava feito a uma lâmpada mágica.
Éramos o gênio e o desejo na praça.

AQUARELA

Pela beira do lago
Há letras lilases
Nas palmas das flores

Então, trouxe, encantado,
Um pedaço de cada
Palavra mais doce

Aos teus olhos e
Cabelos dourados,
Castanhos, macios...

E fiz uma valsa
Dourando o caminho
Para te lembrar

Sinais nas areias,
Nas pedras, nas casas
Para te guiar

Fiz barco de estrelas,
Abóbada imensa,
Para te levar

- E fizemos de tudo pela beira do lago –

Então, trouxe, encantado,
Um pedaço de cada
Palavra mais doce

Para pôr na boca
Do meu novo amor !

Taubaté, abril de 2007.

GAIA

Fomos gerados da Terra
e jogamos o jogo
que ela joga consigo.
Isso é fato.
Agora mesmo, Gaia e Urano estão jogando.
Com suas células
seus átomos e estrelas
suas guerras e moscas.
E o tempo é que
tece a sua teia nas mentes
tece a sua teia nas órbitas
tece a sua teia e pinta a face de Gaia, as vísceras dela.
Deus é o tempo,
comandando tudo.
E Gaia joga
com as armadilhas nossas.
Que são nossas, mas que são dela.

FUTIL

Busquei na boca sua
Uma palavra...
Ela pendurada
Rente a seu seio,
Você muda
Muda de sentido
Muda sem flor
Apenas muda
Neutra e fria.

ESSE É O LADO DO DIA QUE A GENTE NÃO APALPA

Esse é o lado do dia que a gente não apalpa.
E enquanto o trem passa,
Acordando as crianças,
A gente disfarça,
Cavoucando esperanças.

BABA

Babo-te toda
A baba da tua boca louca
Babando no meu corpo...
Babada em tua boca aberta,
A baba da tua boca,
Babando-me com a tua baba minha

RUPESTRE

A gente tinha palavras pra cada sopro de chuva
Eram afagos de cantos nas águas
Na ribeira nua
Fazendo carinho na barriga das pedras

Foi ali e tudo

Foi ali que desabrochaste a flor,
Deitando nos meus galhos,
O sabor das tuas águas claras, teu calor...


Taubaté, 05/05/2007.

A SALA

Em frente à janela, gradeada, de cortinas floridas.
Em meio à sala (aonde todos iam).
Ali, parado.
O sol vazado, tapete macio,
O cheiro impecável da madeira dos tacos.
Ao fundo, o quarto misterioso e desejado de minha avó.
O quarto onde ouvia histórias e meu corpo, seguro, se abrigava, quente, sob a manta: o “forninho” adorável.
Naquela sala, inalcançável mundo de tantos (onde vivi feliz !),
Eu tudo olhava, espantado, miúdo, infantil, captava tudo...
Ali, entre os livros e os quadros,
Eu me lembrava qual era a esquerda e
Qual era a direita do mundo...

FILOSOFIA DA INFÂNCIA

Ficávamos, horas,
Deitados,
As costas no asfalto,
Despidos de qualquer vontade de razão.

Olhávamos tudo em detalhes:
O céu, o azul do céu, as plantas,
Os pássaros...
A infância em sua infinitude
Tentando alcançar a grandeza do planeta,
Alçar vôo, romper o céu,
Deitados, imóveis.
Inocência em sua infância.
Os sons cheirosos do almoço,
O muro baixo e Juliana...
Tudo completo.
Tudo sentido.
A minha infância.

quarta-feira, 28 de janeiro de 2009

Velha Casa

Nossa casa tinha aroma de jardim úmido.
Não sei se de lágrimas,
Minhas ou de meus tios todos juntos.
A beleza da velha casa estava no musgo,
Na decoração da sala, no amor que cada canto continha.
A gente pensava que, escalando toda ela, buscassem-nos seres lunáticos, tivéssemos sorte.
Por todo lado um pedaço de palavra, solta e junta, de tanta cor, tamanho e vontade diversa...
Deitávamos nelas, meu tio e eu e meu irmão idem.
Ao pé delas, íamos correndo aos gritos em volta de toda aquela gente que ia lá.
Vontade de morar na conversa deles, os adultos.
A estante de livros sentia essa vontade também, nossa parente.
Vovó sempre foi fã de livros.
Saíam, por vezes, pedaços da estante por entre as bocas da gente, abertas...
Ficavam gozados: pés e prateleiras, lombadas e capas de livros, capítulos soltos...
Nada entendiam, os adultos, da nossa erudição...
De fato, éramos meninos apenas...

Amores

Eram nove horas da noite e Mônica ria, em pé, na calçada escura do Bar do Funil. Parte de sua atenção ia pro modo como a luz atravessava os copos amarelos e abria cones marrons das garrafas. “ - ...e quando a garota soltou meu pinto...ahauhauhauha...” Todos estrignados. Pedia em voz trêmula: “ – Detão, vem...” O rapaz cambaleva entre as faixas de luz e de escuro que ali chegavam. A chave do carro pousara grossamente sobre a pequena mão de Mônica.
“Você é um saco, Mônica...”
Deto, só de olhar, parecia áspero feito lixa de aço.
“Você é que está bêbado.”
“Escuta aqui: VOCÊ É UM PORRE”
“Entra, senta nesse banco e fica quietinho, vai !?”
Deto obedece. “Porra, Mônica, é sempre assim !”
“Eu quero é sair daqui voando...”
“Só vim pro carro porque você é gatona.”
“Não adianta agora. Você sempre dá as mesmas mancadas.”
“Mancadas, Mônica ? Não fui eu que fiquei com cara de cu !”
“Dé, já te pedi pra não falar palavrão...”
“Mônica, meus amigos estão todos lá...”
“Seus amigos são uns boyzinhos metidos à besta, isso sim...”
O carro, nessa hora, já acelerava silenciosamente na estrada.
“Metidos à besta ? Aquelas são as únicas pessoas que me ajudaram quando eu estava na pior, fudido mesmo...”
“A gente nem tava junto na época, Deto !”
“Não interessa ! Você é que não tem amigos, não gosta de nada do que eu gosto, depende de mim pra tudo !”
“Como assim, Deto ?”
O telefone toca.
“Deto, nem ouse atender esse telefone agora ! Que estória é essa de ‘depende de mim pra tudo’ ?”
“É isso mesmo, Mônica ! Você depende de mim e quer tudo do seu jeitinho, ‘ai, tá tarde, ai, tá chato’ !”
“Como é que é ? Se enxerga, cara, você é um mimado que faz tudo errado e eu é que tenho que limpar a sua sujeira depois...!!!” – os volumes das vozes viram brados.
“Mimado ? Você é que não faz nada sem mim !”
“Chega, Demétrio. Não quero mais que você saia com esses caras, estão botando muita asneira na sua cabecinha...”
“‘Não quero mais que você saia’, o caralho ! Não tenho mais que te obedecer em nada !”
“E como é que você vai viver ? Meu pai te demite e você se ferra, é um vagabundo que não presta pra nada...”
Duas porradas acertam a boca e o vidro de Mônica. O carro perde o controle, bate, Deto morre antes de chegar ao PS. Três meses depois, Mônica casava-se com o traficante mais pé-rapado e violento da rua. Gostava de bater em Mônica até fraturar-lhe as costelas. Mônica jamais largou dele.